8M: Nom estivemos todas, faltárom também as empobrecidas, Mari Fidalgo

Qualquer açom política potente abre possibilidades de reflexom e mudança. Para além do momento pontual de intervençom é preciso que dê lugar a repensar discursos, imaginários e práticas. Que impulse a remodelar as nossas pautas políticas a partir da análise das presenças e ausências, portanto das relaçons e lugares de poder que atravessam o movimento.

As mobilizaçons do último 8 de março nom som umha exceçom. A açom política radical foi sempre (e quero pensar que seguirá a ser) umha marca distintiva do movimento feminista. Conceber umha greve que se propom como geral na medida em que incorpora eixos ignorados noutras convocatórias representa um inquestionável salto qualitativo para os movimentos sociais no seu conjunto. Até agora assumiamos que no âmbito privado nom cabem os serviços mínimos (argumento delirante usado pelo empresariado para organizar a esquirolagem). Mas e quando falamos de cuidados? De tarefas que nom podem deixar de realizar-se, como ocorre com as pessoas em situaçom de dependência. Ou que por razóns de experiência, intimidade ou apego nom permitem a substituiçom de quem cuida. Dar a teta ou fazer contençom emocional de quem está a manejar problemas de saúde mental, por exemplo.

No âmbito do consumo percebemos também o pouco trabalho que se está a fazer por parte de amplos setores dos movimentos sociais e sindicais. Porque se bem é algo que já devia estar incorporado na dinâmica política ativista, seja nas convocatórias de greve, jornadas de luita ou boicotes a determinadas empresas, foi um dos eidos em que mais notamos o tanto que nos falta caminhar para conseguir umha açom integral.

De forma geral, o 8M foi umha oportunidade para decatarmo-nos do quanto precisamos seguir a ampliar o olhar sobre a participaçom no mercado laboral como elemento central nos nossos discursos e imaginários. Esticar a própria conceçom de classe que manejamos, incluindo as pessoas que estam estruturalmente expulsadas do mundo do emprego e também aquelas outras que fazem com este poda seguir boiando ao ocupar-se dos trabalhos reprodutivos.

Apesar de que as organizaçons sindicais maioritárias (e outras que nom som tanto) enviesassem o debate sobre a quem ia dirigida a convocatória desta greve, se empregamos o critério da radicalidade, fica claro que a interpelaçom de corpos e subjetividades que se identificam como mulheres, ou que som assimilados ao “feminino”, por si só abre reflexons de grande transcendência para os feminismos. Também tem que ver com ausências, com exclusom, com relaçons de poder e subordinaçom. Mas noutro sentido. Considero que nom é preciso problematizar umha convocatória como a da greve feminista com questons sobre a implicaçom masculina. A participaçom (ou nom) das mulheres em toda a sua diversidade já é suficientemente complexa e deixa desafios dos que ocuparmo-nos nos próximos tempos.

Nesse sentido, as vozes feministas que desde as margens denunciárom o caráter pouco inclusivo da convocatória do 8M, que assinalarom os esquecimentos e os “apanhos” de última hora para tratar de que nom ficasse em evidência o óbvio, som um acicate para seguirmos trabalhando e repensando-nos. Refiro-me a intervençons como a das Afroféminas1, renunciando somar-se à greve ao considerar que a convocatória invisibilizava e excluía as mulheres racializadas. Ou as que apontárom2 o pouco representadas que estivérom as mulheres com diversidade funcional, assim como as que padecem doenças físicas ou psíquicas. Devemos seguir examinando as omissons, os descuidos.

Parece claro que o apelo aos tetos de vidro, e mesmo a brecha salarial, nom nos diz nada às precárias. Às que fazemos malabarismos por conseguir uns mínimos ingressos estáveis (nem sempre) que alcancen a cobrir necessidades básicas, amiúde na economia informal e sem cotizar, apesar de que se tratem de trabalhos considerados como “qualificados”. O desafio é sentir-nos próximas, em aliança, com mulheres (e pessoas) em situaçom de empobrecimento e exclusom crônicos, um dos setores mais violentados polo terrorismo capitalista-patriacal. E cujo outro lado da moeda som os empregos precários e feminizados que muitas de nós, de jeito estável ou esporádico, exercemos.

Quantos piquetes fizemos na Cozinha Econômica chamando as mulheres a acudir aos pontos de atençom aos cuidados que habilitamos? Quantas açons informativas da greve fizemos nos locais dos Serviços Sociais? Ou nas salas de espera das entidades caritativas que gestionam desde bolsas de emprego miseráveis, a alimentos ou pagamentos de faturas de luz e água? Falou-se da “taxa rosa” como um problema que devem abordar as mulheres como consumidoras, mas nom se mencionou que também som mulheres a maioria das pessoas que estam horas nas filas dos bancos de alimentos para aceder malamente a comida de péssimo aporte nutricional. Falar de consumo sem fazer umha análise de gênero entrecruzada com a classe e a procedência (porque muitas dessas mulheres som  migrantes) é, quando menos, ficar na superficialidade do problema.

Polo geral, nos diferentes manifestos elaborados a raíz do 8M a situaçom e os problemas que recaem sobre as mulheres emprobrecidas e em exclusom brilhárom pola sua ausência. O mesmo que dizer das demandas. Em que lugar advertiu-se da mudança do Decreto da Risga, atualmente em processo e que vai supôr uns entraves ainda maiores para aceder a umha prestaçom raquítica? Onde aparecem ferramentas que os setores empobrecidos levam anos trabalhando e que algumhas defendemos como umha ferramenta de auto-defesa frente a violência econômica, como a Renda Básicas das Iguais?

Manejar as vozes críticas é incômodo. Ocupar a posiçom de privilégio é indoloro até que alguém que está no lugar de subalternidade no-lo fai ver. E isso ainda é mais forte para as que dedicárom, dedicamos, esforços, tempo e energia pra fazer deste 8M um ponto e aparte. Entendo que essa descontinuidade nom deve ser marcada só polo caráter reivindicativo e disruptivo da paz social que recuperamos para essa data. Nem polo caráter massivo das manifestaçons, um espelhismo que pode fazer com que nos despistemos do caminho a seguir.

Defendo que a partir de agora sigamos colocando energia em re-pensar as nossas práticas, discursos e imaginários. Desde umha posiçom claramente horizontal, anticapitalista e anticolonial, incorporando no processo as vozes e demandas de quem denuncia o cis-sexismo, o capacitismo, o privilégio de determinadas corporalidades e tantas outras situaçons que o lugar social que ocupo dificulta-me ver. Empregar a posiçom de privilégio para denunciar as opressons e reivindicar mudanças reais na vida de quem mais está a sofrer os embates do sistema deveria ser umha responsabilidade de todas as que nos identificamos como feministas.

Mari Fidalgo

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Fonte: A fondo "Desfacer en común a precariedade" publicado no Sermos Galiza do 19/04/2018